quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Os pequenos déspotas

Em cada ano lectivo que começa, e está mais um a começar, a minha desmotivação é maior. Sinto-me cada vez mais sem chão nesta sociedade onde o desmoronar de valores chegou ao limite. A instrução que deveria ser dada na escola não faz sentido sem antes ter havido a educação que pertence aos pais e à sociedade. Porque resumir educação a instrução é extremamente limitativo.

Que valores transmite esta sociedade às crianças e aos jovens? Os jovens nascem e crescem numa sociedade onde grassa a mediocridade. Onde o sucesso não está associado ao trabalho. Onde todos se sentem cheios de direitos mas muito poucos olham para os seus deveres. Onde a exigência é uma palavra vã. Onde não compensa ser cumpridor. Onde quem não cumpre, se gaba de o não fazer. Onde o crime compensa desde o atestado médico falso ou da fuga aos impostos à irresponsabilidade dos políticos. Os exemplos que as crianças e os jovens vêem à sua volta são lamentáveis e não são minimamente educativos.


Ouvimos os empregadores queixarem-se da falta de preparação dos recém licenciados. Os professores do superior sacodem a culpa para os do secundário. Os do secundário para os do básico. Os do básico para os do primeiro ciclo. E, possivelmente, estes para os pais. Todos têm razão e todos fazem parte do problema e da solução.


O que se tem investido na educação nos últimos 30 anos não tem resultado. Mudar programas e currículos não tem sido mais do que desperdiçar dinheiros públicos. É preciso mudar pessoas. Professores, pais, alunos e políticos. Depois do 25 de Abril, assumiu-se que tudo traumatizava as crianças e os jovens. Em casa e na escola. Passaram a ser tratados como uns seres esquisitos susceptíveis a traumas pela mais pequena coisa. Nada lhes pode ser exigido mas eles podem exigir tudo. A palavra não deixou de fazer parte do vocabulário dos pais. Aqueles que ainda ousam pronunciar essa palavra, rapidamente a transformam num nim e depois num sim ou num silêncio permissivo. Quem manda em casa são os filhos. Os pequenos déspotas. Não se lhes ensina que há tempos de trabalho e tempos de lazer. Tudo para eles tem que ser a brincar. As novas pedagogias assim o determinam. As aulas não deviam ser tempos de lazer mas momentos de trabalho. Trabalho sério. A geração do pós 25 de Abril não aprendeu nem conteúdos programáticos nem a mais elementar cultura geral. A geração que hoje anda na casa dos trintas. Geração dos novos pais, dos novos professores, dos novos políticos.
Os portugueses não dão valor à aprendizagem. Toda e qualquer aprendizagem. As estatísticas mostram que metade dos portugueses não quer qualquer formação ao longo da vida. As crianças crescem a ver e viver isso. Crescem também a não dar valor a nada. Tudo o que têm é-lhes dado. Aparece. Sem mais. Quando chegam à escola querem uma aprovação ou uma determinada avaliação sem terem feito o esforço necessário para a conquistar. Em casa têm a televisão, os DVDs, as playstations a que recorrem quando lhes apetece sem qualquer limitação ou regra. Não são habituados, desde pequeninos a ter hábitos de disciplina, de esforço, de trabalho. Sem uma educação exigente não se formam cidadãos competentes. E com cidadãos incompetentes não pode haver uma educação exigente. Estamos num círculo vicioso.


Quando eu era miúda, havia uma prenda no Natal. Uma. À qual se dava um valor incomensurável. Durante meses o brinquedo era explorado até à exaustão. Hoje as crianças têm tantos brinquedos que se limitam a rasgar o papel de embrulho e pôr para o lado para rasgar o papel da próxima que voltam a pôr para o lado.


Comprava-se uma pasta de couro que durava toda a primária. Hoje têm – exigem – uma mochila, no mínimo, por cada ano escolar. E todo o material escolar tem que ser de uma determinada marca, mais cara evidentemente. Os portugueses não têm a noção das prioridades. Desde o mais humilde cidadão ao mais conceituado membro do Governo. Os pais deviam explicar às crianças, desde pequeninas, que se tem o que é necessário e não o que se quer.

Tantas vezes fico estupefacta ao ver a maneira como as crianças e os jovens tratam os pais. Não os respeitam possivelmente porque eles não lhes incutiram a noção do respeito pelos outros. Como não lhes incutem o prazer pelo saber. A grande maioria dos jovens não tem interesse pelo saber. Não manifesta qualquer curiosidade intelectual. Quer apenas passar. Querer esse que é partilhado pelos pais.

Para não ficarem comprometidas as gerações futuras era necessário agir já. Exigindo de todos. Todos mesmo.

(Adaptação de uma crónica publicada em Setembro de 2004)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

A ida à urgência

Felizmente a minha saúde tem-me poupado a idas às urgências dos hospitais públicos. São locais que me deixam em pânico essencialmente pela desumanização que sei que vou encontrar como já encontrei quando tive uma filha internada com uma gravidez de risco que, depois de muitos maus momentos, acabou bem. Ontem lá tive que ir à urgência do hospital da minha residência. O tempo de espera até à chamada para a triagem foi bastante razoável. Às 11:39 h, com uma pulseira verde, lá fui enviada para outra sala de espera onde estava este enorme quadro na parede.
Como não estava muita gente (e eu sou inocente nestas coisas, felizmente) pensei que os 120 minutos de espera eram um exagero. Entretanto começaram a entrar pulseiras amarelas umas atrás das outras. Lá passavam à frente, chamados por vozes brasileiras e espanholas. E eu a vê-las passar. O ar condicionado estava fortíssimo e eu já tiritava esticando, em vão, as mangas curtas da camisa. Os 120 minutos passaram e resolvi telefonar a uma das filhas para me levar lá um casaco quente, um livro para ajudar a passar o tempo, uma garrafa de algo que se bebesse e umas bolachas para não cair redonda de frio e fome. Lá vesti o casaco de lã, bem quente, e alimentei minimamente o físico. Às 17 h, a médica brasileira acabou por chamar o meu nome, fez o diagnóstico, medicou-me logo e mandou-me embora com uma receita para aviar. Às 17:45 h voltei, finalmente, a ver a luz do dia. Conclui, então, que “tempo alvo” significa “tempo mínimo”. Estamos sempre a aprender.

Já não temos médicos portugueses para nos atenderem nas urgências. Estamos agora e pagar o resultado da contínua cedência à classe profissional que mais lutou pelo seu feudo. E que sempre o conseguiu. A contínua limitação das entradas para medicina, tinha que ter o seu preço e cá estamos nós a pagá-lo.
Começou a aumentar a procura da língua espanhola para os nossos jovens irem tirar o curso de medicina em Espanha. E os médicos portugueses têm os seus postos nos hospitais públicos em part-time e os seus lucros chorudos nos consultórios no outro meio tempo. A classe médica foi sempre muitíssimo favorecida. É a única que tem o seu emprego garantido no final do curso e a que tem aumento de ordenado se optar por trabalhar em regime de exclusividade. Algo que foi muitíssimo útil (não sei ainda assim é) para passar uma vida inteira a trabalhar no público e no privado e, a meia dúzia de anos do fim da carreira, pedir e exclusividade para garantir uma maior reforma.


Em 2004, a Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior sugeriu que o acesso a todos os cursos de Medicina e Medicina Dentária públicos fosse sujeito a uma prova nacional de acesso cujo peso na nota de candidatura ao ensino superior será de 50%. Depois de testada essa ideia foi, pura e simplesmente abandonada. Perguntei a um aluno meu que estava em medicina (depois de ter concluído o curso de enfermagem) o que pensava dessa prova “Concordo e acho que uma prova como essa devia existir para todos os cursos. Era uma garantia que entravam os melhores para a área específica a que se candidatavam. No entanto na experiência feita, a média nacional andou à volta de 7. Por uma questão de imagem não querem implementá-la. A média de acesso a Medicina passava a ser mais baixa do que muitos outros cursos. Eu acho que para o acesso a cursos da área da saúde era necessário, além de uma prova que testasse conhecimentos, a realização de provas, isentas e transparentes, que avaliassem as qualidades humanas do candidato. Não nos podemos esquecer que nestes cursos trabalhamos com pessoas. Pessoas que, ainda por cima, estão fragilizadas. É a saúde das pessoas que está em jogo.” Que bom seria se houvesse muitos médicos a pensar assim!

Os médicos são imprescindíveis mas Deus nos livre de precisar deles.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Os milagreiros

Maria de Lurdes Rodrigues conseguiu o milagre fácil de transformar alunos que nada sabem de Matemática, em génios matemáticos. Mandou elaborar provas que até os mais ignorantes conseguissem fazer. Foi o milagre da multiplicação das avaliações.

Agora é a vez de José Sócrates fazer o seu milagre.
“O primeiro-ministro acredita que o actual Governo vai conseguir concluir a promessa de criar 150 mil novos postos de trabalho até ao final do mandato, tendo em conta que desde Março de 2005 até agora houve criação líquida de 133 mil empregos, afirmou hoje José Sócrates, nas primeiras declarações após o regresso de férias.” – escreve o Público.

Detesto que me tomem por parva e esta rentrée do primeiro-ministro vai nesse sentido. Todos sabemos que o desemprego está muito maior do que quando este Governo tomou posse. Fábricas a fechar ou a despedir pessoal são aos montes. Licenciados nas caixas dos hipermercados, a conduzir táxis, … são inúmeros. E não vale a pena continuar porque todos os que não fazem parte do Governo conhecem a realidade do país.

Ou os postos de trabalho são "líquidos" (como diz a notícia) e escorregam pelos dedos ou o milagre é tão simples quanto isto: se eu despedir 40 trabalhadores e arranjar emprego para 30, consegui criar 30 postos de trabalho.

Valham-nos os Santos milagrosos a sério!

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Até breve

Estarei ausente uns dias.
Boas férias ou bom trabalho, conforme for o caso.

O jornalismo que temos

Ontem assistimos pelas televisões a uma história de terror ao vivo. Dois criminosos mantiveram como reféns, durante horas e horas, dois portugueses que estavam no seu posto de trabalho. Uma situação perfeitamente inaceitável que foi, a meu ver, muito bem gerida pela polícia. Felizmente acabou com os inocentes a salvo.
Mas não quero falar do caso. Apenas lamentar a maneira como as televisões acompanharam o caso. Horas e horas de emissão. Repetição exaustiva das mesmas informações. Descrição pormenorizada de pormenores sem interesse absolutamente nenhum. A cor das luvas, do calçado, sei lá... dos assaltantes! Entre frases o irritante ammm ammm para entreter que o texto não dá para mais de dois minutos. Um voyerismo bacoco. Lamentável.


Lembrei-me de um artigo com que me deliciei em 2004 e que não resisto a deixar aqui. Com um humor delicioso, Joaquim Fidalgo, fala-nos de um jornal que, por acaso era da TVI, mas podia ser de qualquer outra estação televisiva.

Que É do Terço?...

O caso é sério: alguém roubou o terço da santinha de Balazar. Exactamente. O terço. Não um terço qualquer. O terço da santinha. Da santinha de Balazar. Roubado, o terço. Surripiado. Subtraído. Levado. De Balazar. Da casa da santinha, da sua própria casa. Por estes dias, talvez num domingo.
O caso é sério, já se vê. Tão sério que chegou ao Jornal Nacional da TVI, como podia não ter chegado?..., ao principal noticiário do dia, ao telejornal de maior audiência, no período de maior audiência, no "prime time", que é como se chama àquela meia dúzia de horas em que podemos assistir a uma telenovela, depois a outra telenovela, depois a uma série de pequenas telenovelas (sim, há quem lhe chame "Jornal Nacional", mas isso é do hábito...), depois a outra telenovela e depois a outra telenovela. E chega, que já passa da meia-noite, acabou o "prime time", é altura de dar um filme qualquer, senão a gente nunca mais vai dormir.
Mas o terço, então. É. Roubaram-no. O terço da santinha de Balazar. Não foi da santinha da Ladeira, não senhor. Nem da santinha de Arcozelo. Foi mesmo o terço da santinha de Balazar. O autêntico. O único. O dela. Eu sei, porque a TVI contou-me tudo tintim por tintim. No Jornal Nacional. Não foi a primeira notícia do dia (e por que não?...), mas também não foi a última, sim, que eu bem sei, o dito telejornal começou às oito e ainda não eram nove quando deu a reportagem do terço roubado, portanto ainda as notícias iam a meio, elas que agora, na TVI, vão sempre além das nove e meia, chegam quase às dez, às vezes até atrasam a telenovela seguinte, mas paciência, os senhores não têm culpa, acontece sempre tanta coisa todos os dias, tanto terço roubado e assim, tanto acidente na estrada, tanto pai que bate ao filho e tanta filha que bate à mãe, tanta casa sem água e tanta rua sem passeio, tanta abóbora de dez quilos e tanto peixe sem espinhas, sei lá, o ror de coisas que acontecem cá pela terra e que é preciso noticiar no Jornal Nacional, e isto para não falar do que acontece lá fora, sim, que o mundo lá fora também interessa, não é só por cá que os filhos batem nos pais e as mães batem nas filhas, não, coisas dessas acontecem em todo o mundo e é preciso noticiar.
Mas o terço, o terço, o terço é que não me sai da cabeça. Roubaram-no. O terço da santinha. Da santinha de Balazar. Eu vi tudo, foi lá o repórter e contou, e mostrou, e entrevistou, e fez voto de que tudo se resolva em breve, que o ladrão tenha um rebate de consciência e lá vá devolver o terço, oxalá, ele que deve andar com remorsos porque "a santinha sabe quem foi", lá dizia uma senhora, "a santinha vê tudo", é quase como nós a ver a TVI, também vemos tudo, dentro e fora das casas, dentro e fora da vida da gente, até vemos o terço, não, o terço não vimos, mas só porque o roubaram, essa é que é essa. Mas havemos de o ver, o terço, quando ele voltar. Eu, por mim, estou à espera. E, como eu, centenas. Milhares. Milhões.
Era bom que a TVI me fosse mantendo informado sobre o assunto.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Já lá vai o tempo...

Fui visitar o Museu da Carro Eléctrico, no Porto, que, inadmissivelmente, não conhecia. No sarrabiscos podem ver as fotografias de eléctricos desde 1872.
Além dos veículos, o Museu tem as fardas dos motoristas e revisores, os bilhetes da época, instrumentos vários e as instruções fornecidas aos funcionários.
Essas instruções estão aqui. Peço desculpa pela qualidade das fotografias mas os documentos estão envolvidos em plástico e dentro de estantes de vidro. De qualquer maneira dá para ler.

A sensação foi de nostalgia e de perda.
Nostalgia por ver, como objecto de museu, tanta coisa que conheci com "vida própria". Perda por ler palavras que, infelizmente, sairam dos dicionários dos portugueses: discreto, atencioso, zeloso, correcção, bom senso, delicadeza, respeito, paciência, bons modos, simpatia, ajuda, ...
"... manchar a reputação do STCP." A preocupação de incutir nos trabalhadores do STCP o respeito pela reputação da empresa é espantosa. Onde é que uma empresa, hoje, exige aos seus funcionários semelhante coisa? Os funcionários estão-se "nas tintas" para a empresa e os empresários estão-se "nas tintas" para os seus funcionários. Vive-se exclusivamente para o "ter".

Ontem, à vinda de Barcelos, vinha a ouvir a TSF no rádio do carro. Ouvi uma entrevista com o visconde de "qualquer coisa" sobre o livro "Sermão ao meu sucessor". Lamentava o referido senhor, a perda de alguns valores dos quais ele salientou o "bom gosto" e o "bom senso". Eu acrescentaria a "boa educação" (não instrução, que essa está morta; falta enterrar). A família, primeira responsável pela educação, é uma instituição em crise profunda. Nem sei se em extinção... Revezes do progresso...