quarta-feira, 30 de junho de 2010

Portugueses filhos e portugueses enteados

Paga-se portagem na A1 entre Lisboa e Alverca? E na A2 entre Lisboa e Coina? E na A5 entre Lisboa e Porto Salvo/Oeiras? E na A8 entre Lisboa e Loures? E na A23? E no IC2 entre Lisboa e Póvoa de Santa Iria? E no IC2 entre Almada e a Costa de Caparica? E no IC19 entre Lisboa e Sintra? E no IC21 entre Coina e o Barreiro? E n0 IC32 entre a A2 (Coina) e Alcochete?
Estamos a falar de cerca de 1000 km na zona da Grande Lisboa, a zona com maior poder de compra do país, ou não estivessem lá todos os decisores dos nossos destinos.

Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Espinho, Esposende, Ovar e tantas outras terras estão para o Porto como Sintra, Costa da Caparica, e todas as referidas acima estão para Lisboa.

Por que se decidiu vir buscar o dinheiro aos portugueses que vivem no Norte e no Centro?
Por que se pode ir, em auto estrada, de Lagos a Vila Real de Santo António (140 km) ou de Lisboa a Sintra (30 km) sem pagar um cêntimo e não se pode ir do Porto a Vila do Conde (30 km) nas mesmas condições?

Se os lisboetas e algarvios não querem, e bem, pagar as estradas do norte, os do norte também não querem, e bem, pagar as estradas de Lisboa e do Algarve.

Se os políticos se recusam a diminuir a despesa do Estado nos meandros políticos, redução que podia chegar aos 50%, e optam por nos vir buscar mais ao bolso, então ou pagam todos ou não paga ninguém. As excepções vão criar injustiças e permitir falcatruas. Todos o sabemos. Cobrem-se portagens em todas as SCUTS e auto-estradas, de norte a sul e de este a oeste, e diminua-se o custo dessas portagens.

A dúvida que me resta é saber para onde vão os muitos impostos que os portugueses pagam.

sábado, 26 de junho de 2010

Situação insustentável

“Um Presidente da República não pode nunca dizer que ‘Portugal vive uma situação insustentável’ porque isso cria dificuldades ao próprio país. Ao Presidente da República cabe não palavras de depressão, não palavras que desmobilizem os portugueses mas uma palavra de confiança. E se a situação é insustentável o que é que ele fez para impedir que a situação fosse insustentável. Ela avisou? Ele preveniu? Mas o Presidente da República não é eleito para avisar; não é eleito para prevenir. O Presidente da República tem poderes que estão consagrados na Constituição. Portanto de quem é a culpa?” – palavras de Manuel Alegre na sua pré-campanha eleitoral.

Para Manuel Alegre, como para Sócrates, não de deve dizer a verdade. Deve dourar-se a pílula. Recuso-me a aceitar isso. Não estamos a falar para crianças, estamos a falar para adultos que vivem em sérias dificuldades que Manuel Alegre, ou Sócrates, não conhecem. Não sabem o que é viver a contar os tostões diariamente. Viver à espera que o fim do mês chegue depressa.
Mas numa coisa eu concordo com Manuel Alegre. O Presidente da República tem poderes consagrados na Constituição para ter evitado que a situação chegasse onde chegou. Ao insustentável. Cavaco Silva teve muitas oportunidades para demitir o Governo. Por muito menos, Jorge Sampaio demitiu o Governo de Santana Lopes.

O que eu não esperava é que esta opinião viesse dum socialista. Mais. De um socialista candidato à Presidência da República e, ainda por cima, apoiado pelo próprio Partido Socialista. Boa! Gostei.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Martin Niemoller

“Quando os nazis levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”

Martin Niemoller
(Lippstadt, 14 de janeiro de 1892 — Wiesbaden, 6 de março de 1984)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Moçambique? Portugal?

Rico é quem possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro» dá emprego. Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem. Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele. A verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo que têm, não detêm. Pior, aquilo que exibem como seu, é propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitariam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à altura acabariam por os lançar a eles próprios na cadeia. Necessitariam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma desordem.




Coitados dos novos ricos. São como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam ser sustentados com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser, amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.

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E lá estão eles imitando os outros, assimilando os tiques dos verdadeiros ricos de lugares verdadeiramente ricos. Mas os nossos candidatos a homens de negócios não são capazes de resolver o mais simples dos dilemas: podem comprar aparências, mas não podem comprar o respeito e o afecto dos outros. Esses outros que os vêem passear-se nos mal-explicados luxos. Esses outros que reconhecem neles uma tradução de uma mentira. A nossa elite endinheirada não é uma elite: é uma falsificação, uma imitação apressada.

...

Os nossos ricos dão uma imagem infantil de quem somos. Parecem crianças que entraram numa loja de rebuçados. Derretem-se perante o fascínio de uns bens de ostentação.
Servem-se do erário público como se fosse a sua panela pessoal. Envergonha-nos a sua arrogância, a sua falta de cultura, o seu desprezo pelo povo, a sua atitude elitista para com a pobreza.



Os índios norte-americanos que sobreviveram ao massacre da colonização operaram uma espécie de suicídio póstumo: entregaram-se à bebida até dissolverem a dignidade dos seus antepassados. No nosso caso, o dinheiro pode ser essa fatal bebida. Uma parte da nossa elite está pronta para realizar esse suicídio histórico. Que se matem sozinhos. Não nos arrastem a nós e ao país inteiro nesse afundamento.


Mia Couto

sábado, 19 de junho de 2010

Haja bom senso

Detesto hipocrisias. Tenho pena de todas as pessoas que morrem porque eu gosto da vida e desejo, para os outros, aquilo que, para mim, é bom.

Morreu um homem – José Saramago. Um português da cultura que escolheu viver em Espanha. Um português que levou Portugal a todo o mundo. Daí a haver dois dias de luto nacional, um avião, pago por nós, para ir buscar o corpo de Saramago a Espanha e 24 horas diárias da comunicação social a falar da sua morte, vai um exagero que não entendo.

Na minha opinião não há insubstituíveis. A vida continua, morra quem morrer nem que essa morte seja a de um humilde pai de família que era o sustento de todos os seus.

Saramago ganhou um prémio Nobel. É um orgulho para Portugal. Nessa altura, cheguei a ouvir, ver e ler que Portugal ganhou o seu primeiro prémio Nobel. Santa ignorância! O nosso grande Egas Moniz ganhou um prémio Nobel em 1949. Um homem que teve uma vida difícil por causa da sua actividade política em prol da liberdade de expressão e pensamento. “As suas duas descobertas mais importantes foram a angiografia cerebral, conseguida em 1927 e a leucotomia pré-frontal, concretizada em 1935. A primeira foi premiada com o Prémio de Oslo de 1945 e a segunda com o Prémio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1949.” Alguém se lembra de Egas Moniz? Alguém fala em Egas Moniz? Por acaso faz parte do percurso escolar dos jovens uma alusão ao trabalho e à vida de Egas Moniz? Quantos portugueses já visitaram a Casa-Museu Egas Moniz em Avanca? Eu já a visitei três ou quatro vezes e já lá levei dois grupos de jovens.

Até na morte é preciso ter sorte.

Será que algum peso na consciência leva a que a morte de Saramago tenha este mediatismo? Agora todos adoram o homem, o cidadão português e o escritor. Se morresse o Cristiano Ronaldo também teríamos luto nacional? Tivemos este exagero quando morreu a Engenheira Maria de Lourdes Pintassilgo, que exerceu o cargo de Primeira-ministra deste país? Tivemos este exagero quando morreu a Grande Sophia de Melo Breyner? Tivemos este exagero quando morreu o grande Eugénio de Andrade? E tantos, tantos homens e mulheres de valor que nos deixaram heranças notáveis mereceram isto?

Eu sei que é "bem" dizer que já se leu muito Saramago, que se adora a escrita de Saramago, que é o maior escritor português. Mas eu não ligo ao que é “bem”, digo o que penso e dou a cada pessoa o direito a ter os seus gostos e as suas preferências.

Enquanto escritor não me vai fazer falta. Tenho cinco livros dele e não consegui ler nenhum até ao fim. Não aprecio a sua forma de escrever e tenho esse direito.

Como cidadã portuguesa, também não vou sentir a sua falta. Por algumas vezes me senti incomodada com as palavras de Saramago ao país onde nasceu.

Enquanto católica praticante, Saramago também não me vai fazer falta. Respeito todas as convicções religiosas e todas merecem respeito. A minha nem sempre foi respeitada por Saramago.

Que descanse em paz!