Ontem assistimos pelas televisões a uma história de terror ao vivo. Dois criminosos mantiveram como reféns, durante horas e horas, dois portugueses que estavam no seu posto de trabalho. Uma situação perfeitamente inaceitável que foi, a meu ver, muito bem gerida pela polícia. Felizmente acabou com os inocentes a salvo.
Mas não quero falar do caso. Apenas lamentar a maneira como as televisões acompanharam o caso. Horas e horas de emissão. Repetição exaustiva das mesmas informações. Descrição pormenorizada de pormenores sem interesse absolutamente nenhum. A cor das luvas, do calçado, sei lá... dos assaltantes! Entre frases o irritante ammm ammm para entreter que o texto não dá para mais de dois minutos. Um voyerismo bacoco. Lamentável.
Lembrei-me de um artigo com que me deliciei em 2004 e que não resisto a deixar aqui. Com um humor delicioso, Joaquim Fidalgo, fala-nos de um jornal que, por acaso era da TVI, mas podia ser de qualquer outra estação televisiva.
Que É do Terço?...
O caso é sério: alguém roubou o terço da santinha de Balazar. Exactamente. O terço. Não um terço qualquer. O terço da santinha. Da santinha de Balazar. Roubado, o terço. Surripiado. Subtraído. Levado. De Balazar. Da casa da santinha, da sua própria casa. Por estes dias, talvez num domingo.
O caso é sério, já se vê. Tão sério que chegou ao Jornal Nacional da TVI, como podia não ter chegado?..., ao principal noticiário do dia, ao telejornal de maior audiência, no período de maior audiência, no "prime time", que é como se chama àquela meia dúzia de horas em que podemos assistir a uma telenovela, depois a outra telenovela, depois a uma série de pequenas telenovelas (sim, há quem lhe chame "Jornal Nacional", mas isso é do hábito...), depois a outra telenovela e depois a outra telenovela. E chega, que já passa da meia-noite, acabou o "prime time", é altura de dar um filme qualquer, senão a gente nunca mais vai dormir.
Mas o terço, então. É. Roubaram-no. O terço da santinha de Balazar. Não foi da santinha da Ladeira, não senhor. Nem da santinha de Arcozelo. Foi mesmo o terço da santinha de Balazar. O autêntico. O único. O dela. Eu sei, porque a TVI contou-me tudo tintim por tintim. No Jornal Nacional. Não foi a primeira notícia do dia (e por que não?...), mas também não foi a última, sim, que eu bem sei, o dito telejornal começou às oito e ainda não eram nove quando deu a reportagem do terço roubado, portanto ainda as notícias iam a meio, elas que agora, na TVI, vão sempre além das nove e meia, chegam quase às dez, às vezes até atrasam a telenovela seguinte, mas paciência, os senhores não têm culpa, acontece sempre tanta coisa todos os dias, tanto terço roubado e assim, tanto acidente na estrada, tanto pai que bate ao filho e tanta filha que bate à mãe, tanta casa sem água e tanta rua sem passeio, tanta abóbora de dez quilos e tanto peixe sem espinhas, sei lá, o ror de coisas que acontecem cá pela terra e que é preciso noticiar no Jornal Nacional, e isto para não falar do que acontece lá fora, sim, que o mundo lá fora também interessa, não é só por cá que os filhos batem nos pais e as mães batem nas filhas, não, coisas dessas acontecem em todo o mundo e é preciso noticiar.
Mas o terço, o terço, o terço é que não me sai da cabeça. Roubaram-no. O terço da santinha. Da santinha de Balazar. Eu vi tudo, foi lá o repórter e contou, e mostrou, e entrevistou, e fez voto de que tudo se resolva em breve, que o ladrão tenha um rebate de consciência e lá vá devolver o terço, oxalá, ele que deve andar com remorsos porque "a santinha sabe quem foi", lá dizia uma senhora, "a santinha vê tudo", é quase como nós a ver a TVI, também vemos tudo, dentro e fora das casas, dentro e fora da vida da gente, até vemos o terço, não, o terço não vimos, mas só porque o roubaram, essa é que é essa. Mas havemos de o ver, o terço, quando ele voltar. Eu, por mim, estou à espera. E, como eu, centenas. Milhares. Milhões.
Era bom que a TVI me fosse mantendo informado sobre o assunto.
sexta-feira, 8 de agosto de 2008
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2 comentários:
O que mais me divertiu na transmissão da SIC foi o locutor do directo depois de descrever 100vezes o que todos estávamos a ver ter passado a emissão para um colega que estava do outro lado da rua, dizendo que ele dali veria melhor. O segundo quando foi para o ar começou por dizer que dali não via nada a não ser os Inems e os carros da polícia e desatou a descrever os veículos que também todos nós víamos. Às vezes tenho saudades da Censura
Eu lembro-me disso. Tudo lamentável.
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